segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Tout le monde pour le théâtre

Ontem à noite tive uma conversa muito interessante com Adolfo.

Adolfo é motorista da navette, um ônibus fretado que todos os dias leva e traz o público do metrô para a Cartoucherie. Adolfo trabalha para o Soleil há mais de 15 anos e já foi técnico, cenógrafo e ator da trupe. Hoje, por escolha própria, dirige a navette. Há anos desejava voltar a trabalhar com mecânica e veículos. A vantagem de trabalhar no Soleil, segundo ele, é a liberdade de poder fazer o que quiser.

Ele não é o único a ter uma história assim. Da cozinha para os palcos; dos palcos para a técnica; da técnica para a administração; da administração para a navette... A troca muitas vezes passa por uma vontade pessoal, mas nem sempre. Ela também depende das necessidades da própria trupe. Uma liberdade maravilhosa e, ao mesmo tempo, complexa.

A atual operadora de luz, por exemplo, começou a exercitar essa função num momento em que era necessário para o Soleil. Deixou de atuar nos palcos e começou a estudar iluminação. Uma oportunidade perfeita para um desejo antigo.

Como estagiária no Soleil, tenho a oportunidade de experimentar várias funções. Normalmente, procuro estar mais perto do trabalho dos atores – pois eles são o foco da minha investigação -, mas trabalho frequentemente na cozinha, no bar, no escritório, na livraria ou em qualquer outro setor que precisar de uma mãozinha. Dessa forma, consigo ter uma visão geral do que é essa grande e complexa trupe. É verdade que cada função tem a sua importância. Fazer o borderô da semana é tão essencial quanto lavar os banheiros. Mas, isso não significa que ambas sejam valorizadas da mesma forma, nem que seja fácil transitar de uma para a outra.

A equipe do bar e da cozinha é uma das maiores e mais complexas de todas. Nela, encontramos cozinheiros, atores, cenógrafos, encenadores, estudantes de teatro, estudantes de cinema e voluntários que vem e vão. Vários trabalham em outros lugares – como suas próprias companhias de teatro. Muitos dos atores da companhia afegã Aftaab, por exemplo, trabalham cotidianamente na cozinha da trupe mãe. Porta de entrada, alguns que lá estão nutrem o desejo de poder um dia estar nos palcos da trupe. Não posso deixar de mencionar que os próprios atores do Soleil trabalham no bar fazendo a recepção do público, momento de aproximação entre o fora e o dentro de cena.

Nos palcos, a relação relembra muito as tradições orientais de teatro onde o aprendiz deve galgar cada degrau. O ator recém-chegado passa pela função de kôken – um tipo de contrarregra -, depois por papéis secundários - como os mensageiros - para enfim representar personagens com mais destaque. Claro que isso não funciona de uma forma engessada, dependendo muito de cada processo de criação. Os atores “locomotivas” – assim chamados dentro do Soleil – vão guiar os mais novos, conduzi-los durante o período de criação, introduzi-los a forma de trabalho da trupe e transmitir conhecimento.

Na parte de administração e contabilidade, temos uma equipe que trabalha incansavelmente no escritório. Bilheteria, arquivos, e-mails, borderô, contratos, salários, balanço financeiro, cronograma, correio, telefonemas... algumas pessoas dessa equipe trabalham no Théâtre du Soleil há vários anos e tem a dura tarefa de não deixar com que o balanço financeiro esqueça do lado humano. É preciso lembrar que se trata de se fazer teatro de forma que seja acessível para o público sem abrir mão da enorme trupe e da riqueza artística dos espetáculos com seus longos processos de criação.

Na liderança dessa caravana, temos a furiosa e amorosa Ariane Mnouchkine. Sua genialidade artística e sua incrível habilidade de gestão são grandes responsáveis pelos 50 anos de (r)existência do Théâtre du Soleil. Aos 75 anos de idade, Ariane demonstra uma energia incrível para equilibrar todas as questões administrativas como as artísticas.

Ser uma cooperativa significa, em tese, abolir a relação patrão-empregado e considerar todas as funções com equidade não havendo disparidade salarial. Mas, a realidade não é bem assim. Existem as lideranças, mais ou menos espontâneas; as pequenas competitividades; as diferenças salariais. Afinal, trata-se de um grupo humano com direito às todas as delícias e dessabores.

Mesmo com todas as imperfeições, é certo que todos ali são movidos, acima de tudo, por uma grande paixão pelo teatro a que se dedica o Théâtre du Soleil. Um teatro comprometido com a arte com todo o seu esplendor onde o público é o convidado de honra e a obra o seu presente.

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