segunda-feira, 7 de março de 2016

Ponto de retorno

"Aos observadores: eu não sei vocês se dão conta da sorte que vocês tem de estarem aqui, de ver uma companhia como o Soleil passar por dificuldades... Fazer teatro é difícil!"  Essas foram as palavras que Ariane Mnouchkine dirigiu a um pequeno grupo de quatro observadores.

Assim como qualquer companhia de teatro comprometida com o fazer artístico, o Théâtre du Soleil também encontra os seus momentos de dificuldade. Normalmente, eles se dão na adolescência (como é normal de se dizer por lá), mas nesse espetáculo foi durante a infância ainda que as dificuldades apareceram. Dias em que nada parece funcionar. As visões são escassas, as improvisações parecem que não tem nada a acrescentar ao tema principal, os atores não conseguem jogar e Ariane Mnouchkine não consegue ajudá-los.

Nesses dias, Madame Mnouchkine fica muito tempo em silêncio. Porque não funciona? Onde está o problema? O que dizer para os atores para ajudá-los em cena? Essas são as perguntas que eu imagino que devem passar pela sua cabeça. Um dia de dificuldades às vezes resulta em uma manhã (ou num dia inteiro) de brainstorming - método em que um grupo de pessoas se reúnem para produzir ideias a fim de estimular a criatividade e impulsionar o projeto adiante. Enquanto isso, o restante da trupe continua o seu trabalho de treinamento.

Em momentos de dificuldade, tudo é repensado. Será que o tema é instigante o suficiente? Será que os atores receberam todas as informações necessárias para a criação? Ariane Mnouchkine fala sobre o "ponto de retorno" utilizado pelos pilotos de avião. O "ponto de retorno" seria o ponto limite em que o piloto ainda pode voltar atrás no caso de alguma emergência. Depois desse ponto, não há nada que possa ser feito, apenas continuar em frente. Eu não sei dizer se o Théâtre du Soleil chegou nesse ponto. Nem eles sabem.  Mas, até o presente momento, todos acreditam que esse é um projeto potente o suficiente para continuar em frente.

As reuniões ajudam a precisar alguns aspectos dramatúrgicos ou estilísticos. Os atores reunidos no brainstorming produzem improvisações a partir das discussões geradas e estas ajudam o restante da trupe a compreender com mais clareza o que Mnouchkine procura.

É mais fácil reproduzir algo que já se conhece do que se jogar no desconhecido. O sucesso e o reconhecimento do Soleil não fazem o espírito criativo se calar. Aos 77 anos recém completos, Ariane Mnouchkine é inquieta. "Se estivéssemos criando Le dernier caravensérail essa improvisação seria perfeita... mas esse é outro espetáculo". Uma nova criação movida por uma trupe que continua caminhando em frente e não se vangloriando das conquistas passadas. O que é importante de se dizer em 2016? O que nos move hoje?

O risco de experimentar algo novo. O risco do erro, do fracasso. O risco de tocar assuntos delicados, mas sempre com uma clareza política incrível. "Somos e não somos Charlie Hebdo ao mesmo tempo". Ariane toma o risco de fazer algo novo, diferente do que ela já fez.

É muito bonito ver uma trupe se reinventar depois de 50 anos de vida. E nesse assunto, Dostoievski disse muito bem: "errar em nosso caminho é melhor que acertar em caminho alheio".*

*Citação do livro "Crime e Castigo".

Um comentário: