terça-feira, 15 de março de 2016

Despedidas

Essa foi a minha última semana no Théâtre du Soleil. A minha grande aventura que se iniciou em outubro de 2014 agora encontra o seu fim. Foram seis meses de muito aprendizado. Primeiro passei três meses trabalhando na temporada de Macbeth onde pude observar a rotina de apresentações da trupe francesa, passear pelos camarins e ajudar na mise en place; um ano depois fui encontrar o Soleil na Índia, primeiro como participante da École Nomade e depois como testemunha dos primeiros passos da nova criação; por fim, fui reencontrar o Théâtre du Soleil na França ainda em processo de criação, passando por altos e baixos. Foi realmente uma grande aventura e saio dela diferente de quando tudo começou.

Essa última semana foi repleta de despedidas como vocês devem imaginar. Mas, não do jeito que vocês imaginam. Enquanto eu já estava em ritmo de partida, o Soleil estava a pleno vapor.

O início da semana foi marcada pela chegada do Odin Teatret que vai realizar uma série de atividades na Cartoucherie no mês de março. Os atores do Soleil ficaram excitados com os novos companheiros de almoço que, acredito eu, talvez estivessem igualmente empolgados. Eugênio Barba e Ariane Mnouchkine, além de grandes encenadores também são grandes amigos. Ambos resistem há 52 anos com seus respectivos grupos e fazeres teatrais.

Apesar de muito amigável, a visita dos parceiros do norte causaram muitas reviravoltas na rotina dos "franceses". Algumas manhãs de treino foram presenciadas por membros do Odin, como o próprio Eugênio Barba, o que causou certo desconforto entre os atores. Um dos galpões do Soleil foi adaptado para ser ocupado pelo grupo dinamarquês, fazendo com que ambas as trupes tivessem que se adaptar para co-habitarem o mesmo espaço.

Aqui é preciso uma pequena explicação. O Théâtre du Soleil possui dois grandes espaços: os galpões principais compostos pelo bar, cozinha, ateliê dos técnicos, palco e camarins; e um outro galpão onde fica a sala de costura, os figurinos e a sala de ensaios. Até esse momento, todos os ensaios aconteciam nessa sala de ensaios. Menor que o palco, a sala de ensaios possui um pequeno espaço de camarins e uma pequena arquibancada que comporta basicamente Ariane Mnouchkine e atores. Ao lado da sala de ensaios fica a sala de costura onde as figurinistas trabalham e onde os atores garimpam as vestimentas de seus personagens.

Pois bem, justamente nesta semana, a trupe fez a transição da sala de ensaios para o palco, apesar de não ser ainda uma transição definitiva. Mesmo assim, a passagem de um galpão a outro é um tanto quanto simbólica. Nesse palco, Ariane Mnouchkine apresentou sua primeira maquete cenográfica. Os técnicos e os iluminadores puderam colocar em práticas algumas ideias já previstas para a cena. Os atores puderam vislumbrar mais concretamente o espaço ficcional.

Foi nessa semana também que finalizou o período de estágio com o petit bateau. O petit bateau era um pequeno grupo de atores-aprendizes que estavam em teste para participar do novo espetáculo do Théâtre du Soleil. Carinhosamente apelidado de "pequeno barco" - uma alusão à imagem de um navio frequentemente utilizada por Mnouchkine para descrever o Soleil - esses atores participavam das improvisações, propunham visões e "concoctavam" com a ajuda de atores experientes da trupe. Ao final da semana, Mnouchkine decidiu que infelizmente não era o momento do petit bateau compôr o grand bateau.

Foi no meio de todos esses eventos que eu vivi um pouco secretamente a minha despedida daqueles grandes galpões, dos almoços cheios e barulhentos, dos banhos de sol depois do almoço, dos camarins, dos ateliês, do barulho de serralheria, da imensidão de cores e tecidos, do silêncio da Cartoucherie, das noites intermináveis dentro da sala de ensaio... São tantas lembranças que parece que eu vivi uma vida inteira lá dentro.

Agradeço imensamente ao Soleil que me abriu as portas sem mesmo me conhecer direito; que me deixou entrever momentos íntimos, momentos de dor e momentos de alegria; que me deixou conhecer as alegrias e os desgostos de se fazer teatro em grupo... Desejo que vocês continuem a resistir mesmo com todas as mudanças de vento.


Muito obrigada.... e até breve.

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