Essa foi a minha última
semana no Théâtre du Soleil. A minha grande aventura que se iniciou em outubro
de 2014 agora encontra o seu fim. Foram seis meses de muito aprendizado.
Primeiro passei três meses trabalhando na temporada de Macbeth onde
pude observar a rotina de apresentações da trupe francesa, passear pelos
camarins e ajudar na mise en place; um ano depois fui encontrar o Soleil
na Índia, primeiro como participante da École Nomade e depois como testemunha
dos primeiros passos da nova criação; por fim, fui reencontrar o Théâtre du
Soleil na França ainda em processo de criação, passando por altos e baixos. Foi
realmente uma grande aventura e saio dela diferente de quando tudo começou.
Essa última semana
foi repleta de despedidas como vocês devem imaginar. Mas, não do jeito que
vocês imaginam. Enquanto eu já estava em ritmo de partida, o Soleil estava a
pleno vapor.
O início da semana
foi marcada pela chegada do Odin Teatret que vai realizar uma série de
atividades na Cartoucherie no mês de março. Os atores do Soleil ficaram
excitados com os novos companheiros de almoço que, acredito eu, talvez
estivessem igualmente empolgados. Eugênio Barba e Ariane Mnouchkine, além de
grandes encenadores também são grandes amigos. Ambos resistem há 52 anos com
seus respectivos grupos e fazeres teatrais.
Apesar de muito
amigável, a visita dos parceiros do norte causaram muitas reviravoltas na
rotina dos "franceses". Algumas manhãs de treino foram presenciadas
por membros do Odin, como o próprio Eugênio Barba, o que causou certo desconforto
entre os atores. Um dos galpões do Soleil foi adaptado para ser ocupado pelo
grupo dinamarquês, fazendo com que ambas as trupes tivessem que se adaptar para
co-habitarem o mesmo espaço.
Aqui é preciso uma
pequena explicação. O Théâtre du Soleil possui dois grandes espaços: os galpões
principais compostos pelo bar, cozinha, ateliê dos técnicos, palco e camarins;
e um outro galpão onde fica a sala de costura, os figurinos e a sala de
ensaios. Até esse momento, todos os ensaios aconteciam nessa sala de ensaios.
Menor que o palco, a sala de ensaios possui um pequeno espaço de camarins e uma
pequena arquibancada que comporta basicamente Ariane Mnouchkine e atores. Ao
lado da sala de ensaios fica a sala de costura onde as figurinistas trabalham e
onde os atores garimpam as vestimentas de seus personagens.
Pois bem, justamente
nesta semana, a trupe fez a transição da sala de ensaios para o palco, apesar
de não ser ainda uma transição definitiva. Mesmo assim, a passagem de um galpão
a outro é um tanto quanto simbólica. Nesse palco, Ariane Mnouchkine apresentou sua
primeira maquete cenográfica. Os técnicos e os iluminadores puderam colocar em
práticas algumas ideias já previstas para a cena. Os atores puderam vislumbrar
mais concretamente o espaço ficcional.
Foi nessa semana
também que finalizou o período de estágio com o petit bateau. O petit
bateau era um pequeno grupo de atores-aprendizes que estavam em teste para
participar do novo espetáculo do Théâtre du Soleil. Carinhosamente apelidado de
"pequeno barco" - uma alusão à imagem de um navio frequentemente
utilizada por Mnouchkine para descrever o Soleil - esses atores participavam
das improvisações, propunham visões e "concoctavam" com a ajuda de
atores experientes da trupe. Ao final da semana, Mnouchkine decidiu que
infelizmente não era o momento do petit bateau compôr o grand bateau.
Foi no meio de todos
esses eventos que eu vivi um pouco secretamente a minha despedida daqueles
grandes galpões, dos almoços cheios e barulhentos, dos banhos de sol depois do almoço,
dos camarins, dos ateliês, do barulho de serralheria, da imensidão de cores e
tecidos, do silêncio da Cartoucherie, das noites intermináveis dentro da sala
de ensaio... São tantas lembranças que parece que eu vivi uma vida inteira lá
dentro.
Agradeço imensamente
ao Soleil que me abriu as portas sem mesmo me conhecer direito; que me deixou
entrever momentos íntimos, momentos de dor e momentos de alegria; que me deixou
conhecer as alegrias e os desgostos de se fazer teatro em grupo... Desejo que
vocês continuem a resistir mesmo com todas as mudanças de vento.
Muito obrigada.... e até breve.